Ontem foi um dia duro, duríssimo, como se o país onde vivemos nos dissesse que o percurso que fizemos e tentámos alimentar nele não fazia sentido de existir. Já o tinha escrito dias antes - a trágica sequência de acontecimentos que mostrava a total ausência de política, de ideias, ou de mera preocupação perante uma matéria que nos forma (e não apenas um sector - a cultura é isso mesmo, algo de vivo que nos forma e nos torna mais abertos, curiosos, e tolerantes), teria como consequência última o fim de um país: sem imagens, sem pensamento, sem história(s). O facto de se chegar a este ponto - deixar que uma instituição como a Cinemateca nacional, após anos de medidas e regulamentações que conseguiram destruir o seu funcionamento, não consiga simplesmente trabalhar -, mostra que é a ausência total de política cultural que acaba por determinar a nossa falência. Não há volta a dar a este facto: a falência financeira está invariavelmente ligada à falência cultural, e a história recente do nosso país mostra que, sem este trabalho e perante a sua crescente desvalorização, nunca aprenderemos a gerir os nossos recursos. A ausência de política - não apenas na cultura mas também noutros sectores -, abre portas às políticas más; a ausência de pensamento e de fundo na tomada de decisões (afastando quem trabalha nesses sectores e é formado neles), traz inevitavelmente a destruição desses recursos. E nunca conseguiremos crescer enquanto pessoas para cumprir os nossos desejos - artísticos, culturais, económicos.
Perante este sentimento de descalabro e de falhanço pessoal - porque somos nós que compomos o nosso país, não deveríamos ser corpos diferentes e separados -, surge ainda, como essa mesma casa me ensinou através das imagens deste mundo, um resto de esperança, de desejo de criar, de usar a nossa inspiração e os nossos sonhos para afastar a frustração e os bloqueios, pois as vidas continuam a ser nossas. Não por acaso, Frank Capra também anda na minha cabeça - ele mesmo instalou esse vírus que nos salva quando nos encontramos perante um abismo: "Film is a disease. When it infects your bloodstream, it takes over as
the number one hormone; it bosses the enzymes; directs the pineal gland;
plays Iago to your psyche. As with heroin, the antidote to film is more
film". Ou como quem diz, o antídoto para a morte é vida e mais vida. Venha a esperança nessa descrença, pois precisamos de estar à altura dos nossos desejos. E porque as vidas são sempre nossas, é nos tempos de vazio que precisamos de ver ainda melhor o que está e sempre esteve à nossa frente.