Os últimos passos da Adèle de Kechiche fazem com que ela não parta sozinha, nem nós quando o filme depois se fecha - iremos juntos com ela até a esse futuro que desconhecemos mas que sabemos ser inevitável para quem deseja viver, amar, fazer os seus lutos.
Essa Adèle que caminha connosco no fim do filme leva-me inconscientemente a uma outra que, com o passar dos dias, me faz voltar a um filme - a Adèle de Truffaut, Adèle H., sem apelido, por ser filha do homem mais famoso do mundo (Hugo), e por procurar, ardentemente, desesperadamente, o seu próprio amor, o concretizar da sua paixão que transportou da sua vida e do seu olhar para alguém que ela já amou. Um amour fou que se torna obsessão até cair na loucura, estado máximo da solidão e, também, desse amor que deseja conquistar tudo - viajar por um oceano, recusar todos os estados civis, recusar todos os nomes, e ser apenas essência, sem corpo, sem mente, apenas abstracção do sentido mais poderoso (e mortífero) de todos.
Essa Adèle vive também comigo e reencontro-a, sozinha, numa prateleira de uma loja dentro de muitos outros filmes. No meio desse cinema todo, Adèle partiu sozinha e terminou a sua vida sozinha, mas amou como ninguém (e como ninguém pode amar). Há uma parte de mim que conhece Adèle e que sabe, talvez (arrisco), aquilo que ela viveu. Outra parte sabe que essa vida fica no cinema, não se pode viver na realidade. Teorias, passados, e futuros de lado, olho para essa capa do filme, no meio de todas as outras que outras pessoas levam para as suas casas, para as casas de outros, vejo-a no seu rosto puro, absoluto, e que fala por todos os nomes, e penso, com todo o meu calor e a minha temperança - Adèle, c'est moi.